Vida longa (e personalidade) aos personagens!

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Na minha curta vida de escritora de ficção, deparei-me com situações das mais inusitadas e muitas delas considerei frutos de uma mente criativa, mas ainda em desenvolvimento no assunto da escrita. Vou narrar algumas dessas situações neste texto e aproveito para pedir que não me julgue completamente louca antes de chegar ao fim do artigo.

Até o momento, publiquei pela Amazon alguns livros e contos. Minha produção literária está caminhando e com ela vieram histórias curiosas.

A inspiração para escrever “A Última Chave – Realidade em um Mundo Paralelo” veio por meio de um sonho. O leitor pode argumentar que como vi todo o desenrolar da história e também alguns personagens durante o tal sonho, foi só colocar tudo no papel e pronto, certo?

Errado. Comecei o livro muito bem, mas lá pelas tantas a protagonista da história decidiu que não queria que a vida dela tomasse aquele rumo. Sofia simplesmente não aceitou o par que eu idealizei para ela. Ao longo da história apaixonou-se perdidamente por outro personagem e aí, vocês sabem, com paixão não tem discussão. Tive que adaptar a trama para que ela pudesse ficar com quem ela achava que devia.

Parece besteira, mas isso mudou bastante o rumo da história e o enredo acabou ganhando algumas cenas românticas que não estavam previstas no início. Nem no sonho original.

Sou uma “mãe” (sim, dos meus personagens) bastante liberal no sentido das conquistas de cada um. Procuro dar aos meus personagens espaço suficiente para que encontrem sua própria personalidade, descubram seus caminhos e proponham soluções diferentes das que eu incialmente havia abraçado.

Na maioria das vezes o resultado é positivo, mas se o personagem for trapaceiro, saiba que uma hora ou outra ele vai te passar a perna. Então é necessário ter cuidado redobrado com esse tipo.

No segundo livro que lancei passei por situações bastante curiosas e cheguei a ficar irritada com um determinado personagem várias vezes. O negócio é que eu escolhi para ele um nome, que ele adorou, e um tipo físico que ele não aceitou de jeito nenhum. No início da história o cara era alto, magro, loiro e de olhos claros. E assim eu tentei enfiá-lo na história para que desempenhasse seu papel como tinha que ser. E ele foi, a contragosto, loiro, alto e de olhos claros por uns dois ou três capítulos. Acontece que o tal personagem começou a aparecer para mim (mentalmente) com outra fisionomia COMPLETAMENTE diferente da que eu havia escolhido. E toda vez que ele tinha um papel a desempenhar na trama, lá vinha ele daquele jeito que ele queria: negro, alto e corpulento.

Meu Deus! O que eu faço agora? Não adiantou forçar, pois ele gentilmente (como é de sua personalidade), não aceitou. Resolvi acatar a escolha dele, o que me obrigaria a trocar seu nome, pois o que eu havia escolhido era para outro perfil de personagem.

Mas o danado não abriu mão do nome de jeito nenhum. Então tá… o que eu posso fazer se ele é um personagem de personalidade forte? Como sou só a pessoa que está contando a história da vida dele e nada mais, recolhi-me à minha insignificância e deixei-o ser do jeito que ele bem entendia. Nada contra os negros, pelamordedeus, claro que não. Mas aquele personagem específico tinha uma ligação com a protagonista da história que fui obrigada a modificar por conta desse impasse.

No fim das contas eu e o marido (que é também meu leitor beta) achamos que o personagem ficou muito bom do jeitinho que e ele escolheu ser. Sábia decisão de um sábio personagem que, por sinal, eu adoro. Fiz as pazes com ele, claro, pois não há como ficar chateada com um cara como aquele.

E por que dar liberdade aos personagens?

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Simples: eles têm energia. Cada local, objeto e personagem das histórias que contamos tem energia porque nós autores plasmamos neles nossas expectativas, nossas convicções e nossas frustrações e inquietações mais profundas.

Além disso, para que uma história seja convincente e atraente, ela precisa ter vida! Precisa passar perfeitamente para o leitor a energia que aquele universo gera.

Além desse caso e também no meu segundo livro, há outro personagem que me deu trabalho. Dessa vez o sujeito era daqueles difíceis, rebeldes e vaidosos e quase me deu uma chave de braço na trama, levando-a para rumos perigosos. Consegui coloca-lo em seu devido lugar, mas se eu não abrisse os olhos, nem sei que rumo a história teria tomado e quantas confusões ele teria aprontado!

A essa hora você escritor deve estar sorrindo por identificar-se com minhas loucas histórias. E você leitor deve estar rindo e me considerando completamente pirada. Mas peraí só um cadinho…

Ainda achando isso tudo uma grande loucura, comentei com o colega Inácio Fantino pelo Twitter sobre esses casos nas minhas histórias. E ele me deixou mais tranquila, pois me contou que Tolkien dizia que não decidia quase nada ele mesmo e que a história se escrevia sozinha. E que uma vez achou que o livro estava indo rápido, até que Faramir veio andando desde Ithilien e Tolkien teve que parar para entender quem era aquele personagem e o que ele queria.

Inácio contou-me também que Jorge Amado, certa vez, foi repreendido pela Zélia Gatai, sua esposa, por conta da morte de um personagem. Ele replicou então que não podia fazer nada, já que o personagem havia decidido morrer!

Então, caro leitor, desculpe-me a presunção de autora iniciante, mas reservo-me o direito de querer ser tão louca quanto esses mestres e dar aos meus personagens tanto espaço quanto eles merecerem ter!

É isso.
Espero que vocês gostem das minhas histórias e que meus personagens ganhem vida em seu coração tanto quanto ganharam no meu.


 

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5 comentários para Vida longa (e personalidade) aos personagens!

  • […] Se você deu sabedoria ao seu personagem, confie nele! Fiz um artigo onde explico que os personagens das nossas histórias têm personalidade. No livro “As Flechas de Tarian” há personagens sábios, dois em especial. Um deles é […]

  • Inácio Fantino  diz:

    Achei mais um, Camila; este é de Robert McKee: “Seus personagens devem mudar. E a mudança deve vir deles.”
    Abraço.

    • camilaguerra  diz:

      Ótima!
      Curioso que no curso de finalização do meu próximo livro um dos personagens levou com ele em uma viagem mais dois novos personagens. Fiquei um tempo pensando o que aqueles dois haviam acrescentado à história e cheguei à conclusão de que não haviam adicionado nada. Resolvi tirá-los, mas o personagem que os levou (o mesmo que não aceitou o tipo físico, do qual falo no texto acima), não deixou que eu “cortasse a cabeça” dos dois. Quis mantê-los com ele. Um pouco a contragosto deixei-os lá. Então terminei o livro e resolvi relê-lo pela 50ª vez. E peguei um furo na trama… Adivinha quem resolveu? Pois é… os personagens enxergam mais longe que nós.
      Obrigada pelo adendo! 🙂
      []’s

  • Inácio Fantino  diz:

    Camila, o texto é um prazer só, de uma ponta a outra, para quem escreve (um pouco mais, penso) ou não.

    Os trechos de Tolkien, de que falamos, constam de cartas dele, uma delas para o filho (que estava no front da 2ª Grande Guerra!), datada de 6 de maio de 1944! Vejamos como impressiona o que ele diz:

    ¬¬¬ “Um novo personagem entrou em cena (tenho certeza de que não o inventei, eu nem mesmo o queria, embora eu goste dele, mas ele veio caminhando para os bosques de Ithilien): Faramir, o irmão de Boromir — e ele está retardando a ‘catástrofe’ com muitas coisas sobre a história de Gondor e de Rohan (com algumas reflexões muito válidas, sem dúvida, sobre glória marcial e glória verdadeira): mas se ele continuar com mais coisas, boa parte dele terá de ser removida para os apêndices — para onde alguns fascinantes materiais sobre a indústria do tabaco hobbit e os Idiomas do Oeste já foram.”

    Deixa eu destacar? “eu não não o inventei, eu nem mesmo o queria, embora eu goste dele”! Ele “está retardando” a estória! “Se ele continuar com mais coisas”!…

    Numa outra carta (n. 153, de setembro de 1954 – esta é famosa, entre os fãs de Tolkien e já circulava pela web, antes mesmo da publicação de “As Cartas de J. R. R. Tolkien”), o autor fala o seguinte:

    ¬¬¬ “Elrond escolheu ficar entre os Elfos. Seus filhos — com uma linhagem Élfica renovada, uma vez que a mãe destes era Celebrían, filha de Galadriel — têm de fazer suas escolhas.”

    Sem contar que um dos capítulos mais importantes de O Senhor dos Anéis se chama “As Escolhas de Mestre Samwise”! As escolhas do personagem…

    E para finalizar, vejamos uma entrevista concedida por Tolkien a BBC Rádio 4, em 1971. O entrevistador pergunta-lhe: “(. . .) Por que você escolheu um Hobbit para este papel?”. E a resposta de Tolkien:

    ¬¬¬ “Eu não escolhi. Eu não fiz muitas escolhas quando escrevi a história… tudo que eu estava fazendo era tentar escrever uma continuação do ponto onde terminou O Hobbit. Eu escolhi por que já estavam em minhas mãos, às vezes acho que foi muito mais uma escolha deles do que minha.”

    Assunto encerrado! Pelo menos para mim… É um dos maiores criadores/contadores de estórias quem nos ensina.

    Abraço, autora de sonhos.
    Ah, a página é linda! E o detalhe da caneta tinteiro aí abaixo?!… Demais.

    • camilaguerra  diz:

      Obrigada, Inácio, por acrescentar referências tão importantes.
      Seja bem vindo e volte sempre com suas ótimas ideias.
      []’s

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